Caldas Afonso, diretor do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN).
Pediatra na Clifafe Yield Saúde.
Que cuidados devem ter pais de bebés nesta fase de desconfinamento?
Temos de desmistificar, no sentido de não estarmos a viver numa redoma de vidro nem um confinamento tipo prisão. Até porque a estabilidade emocional, nomeadamente numa mãe que acabou de ter um filho, é importante. Temos de ter comportamentos com segurança, mas não há necessidade de excessos. Uma coisa é uma mãe ou um pai positivo, que é uma situação distinta. Não sendo o caso, o dia a dia não terá de ser alterado. A grande maioria das pessoas vai retomar o trabalho, e a vida vai ter uma dinâmica diferente da que teve nestes dois meses. No caso de o pai trabalhar, tem de usar máscara, ter as normas de distanciamento social e lavar frequentemente as mãos. E será prudente que quem entra e sai mantenha estas regras em casa.
As pessoas põem a questão do contacto com familiares. As visitas são prudentes?
As crianças são mais protegidas da infeção, e vários estudos tentam validar esta perceção, tal como a de que a capacidade de contágio será menor, porque a carga vírica que possam ter é muito menor. Numa primeira fase, houve indicações claras de que as crianças não deviam ficar em casa dos avós, pelo risco de poderem ter a doença sem expressão clínica e contagiar essa população de maior risco. Mas parece não ser necessariamente assim, e é por isso que, em alguns países, começa a haver esta abertura de poder ver os avós. Não havendo um contacto de enorme proximidade, mas um afeto, por mais pequeno que seja, ver, falar, faz todo o sentido.
Exageramos ao conter as visitas de avós?
Não há razão nenhuma para que os avós, protegidos, não possam ir a casa dos filhos, com os devidos cuidados e distanciamento. Para nós, latinos, é uma mudança brutal. Somos muito de toque, de contacto, e é difícil.
Quais as principais preocupações dos pais?
Têm receio de vir a um ambiente onde o risco de infeção é muito maior, e num hospital ele é três ou quatro vezes superior a qualquer outro lugar. As pessoas retraíram-se, têm medo, e contactam-nos muito. Começamos a usar muito mais algo que já utilizávamos, que é o contacto via telefone, com pequenos vídeos ou imagens sobre situações que preocupam os pais, sobre sinais e sintomas da criança, que conseguimos ir orientando e resolvendo.
É a teleconsulta. Foi assim que os pediatras se adaptaram à nova realidade e conseguiram dar resposta durante o confinamento?
Para a pediatria foi mais fácil, porque esta questão da teleconsulta é uma prática que já tínhamos. Os pais contactam-nos muito. A partir do momento em que me responsabilizo por seguir uma criança, tenho de estar disponível para a família. Não é só quando me dá jeito, é quando eles precisam. Esta é uma cultura da pediatria, e os pais estão perfeitamente habituados.
Preocupa-vos que esse procedimento possa ter impacto na deteção de eventuais problemas?
Não, de todo. Antes de terem alta, todos os nossos recém-nascidos têm mais do que uma observação por parte do neonatologista, e, se há alguma situação de preocupação, é identificada e monitorizada. A primeira consulta poderá ser feita durante o primeiro mês, mas não tem de ser feita ao oitavo dia; pode ser ao 28º, se tudo está a correr bem.
Os pais podem estar confiantes para voltar a procurar os serviços de saúde?
Perfeitamente. A abertura foi feita sendo rigorosos nas condições de segurança, e os pais podem estar tranquilos. Mesmo no Serviço de Urgência, há dois circuitos montados, e não temos nenhuma criança que fosse infetada pela vinda ao hospital.
Definimos, por área, o limite máximo de pessoas que podemos ver por hora. Os doentes só entram 15 minutos antes da consulta e definimos um número máximo de doentes, para ter o distanciamento necessário e não haver cruzamento. Há toda uma mudança naquilo que era a organização da atividade. É dada uma máscara à entrada, é feito um mini-inquérito. Com isto, conseguimos manter a máxima segurança contra uma possibilidade de infeção e, ao mesmo tempo, dar resposta às necessidades das pessoas. Temos de recuperar o tempo perdido, o que não é fácil, porque, neste momento, e de acordo com o cumprimento das regras de segurança, a nossa capacidade instalada é menor. Portanto, não vamos conseguir ver tantos doentes como víamos, no mesmo período, e temos de estender os períodos de consulta ao longo do dia. Estamos a fazê-lo agora das oito horas da manhã às oito da noite, para tentar recuperar. É uma readaptação, e o nosso objetivo é, no fim de maio, termos pelo menos 50% daquilo que era o nosso histórico de produção de atividade.
A abertura das creches na segunda-feira parece-lhe ajustada ou prematura?
É difícil responder com certezas, mas não podemos fugir a isso. Neste momento, é fundamental e temos que o fazer, sob pena de pôr em causa a profissão de muitas pessoas, o que seria insustentável. A vida não parou e as pessoas precisam de trabalhar. Mas temos a questão de quem é que fica com as crianças, e compreende-se que tem de haver um passo. Mas ele tem de ser dado no sentido de criar, dentro da instituição que vai acolher as crianças e que tem responsabilidade sobre elas, rigor em práticas em que não éramos, de todo, rigorosos. Não se consegue pôr uma máscara nem impor regras de distanciamento a uma criança abaixo dos cinco, seis anos, e claro que as educadoras e auxiliares devem ter proteções individuais. E tem de haver muito mais cuidado em lavar e desinfetar bem as coisas, lavar as mãos, lavar as superfícies, não permitir que as crianças passem chupetas de umas para as outras, ter mais cuidado com o tipo de objetos com que brincam e que possam passar da boca de umas para as outras. E tentar motivá-las para exercícios lúdicos um pouco diferentes. Todos os dias temos de limpar e desinfetar bem aquilo com que as crianças brincam e mexem, coisa que seguramente não acontecia antes.
O rácio educadoras/crianças deve ser alterado, para haver maior vigilância?
O rácio já me preocupava, mas há outras preocupações, como o número de crianças por sala e o tamanho da sala. Aquilo a que assistíamos em muitos sítios era um espaço relativamente pequeno com dezenas de crianças. Esta questão deve ser repensada. Uma coisa é ter 20 crianças num espaço pequeno, outra é ter sete ou oito. A partir do momento em que uma criança ia para o infantário, o número de infeções que fazia não tinha nada a ver com as que fazia quando estava em só casa, e isso deve-se a este contacto permanente umas com as outras e ao facto de serem muitas crianças num espaço pequeno.
Há alguma contestação à abertura das creches. Parece-lhe que, nesta fase, há mais riscos do que vantagens?
Não vamos dizer que não existem riscos, mas, se isto for feito de maneira gradual e introduzindo mudanças no paradigma daquilo que era o habitual dentro da creche, que são riscos controláveis, minimiza-se ao máximo. E temos de ir avaliando, como sempre fizemos, passo a passo. Podemos, eventualmente, ter de retroceder em alguma coisa, e devemos ter a humildade de perceber isso: posso dar três passos e, a qualquer momento, ter de retroceder dois. Vamos avaliando, mas com tranquilidade. Apesar de tudo, as coisas têm corrido bem porque temo-lo feito com tranquilidade, sem exageros, sem pânicos e sem criar nas pessoas um sentimento de medo, porque isso não leva a nada.
Há pais que têm de deixar bebés muito pequenos nas creches. Podem fazê-lo à vontade?
À partida, podem fazê-lo com tranquilidade. É sempre difícil deixar um filho pequeno numa creche, e com certeza que, agora, a preocupação cresce. Mas estou convicto de que isso rapidamente vai ser esbatido.