A prática de mindfulness pode ajudar a não fazer da ansiedade “um papão” e a evitar que “o medo” da pandemia da covid-19 “tome conta de nós”, defende o psiquiatra José Pinto Gouveia, presidente Associação Portuguesa para o Mindfulness (APM)
Confrontados com as notícias que diariamente surgem acerca da evolução da pandemia, em Portugal e no Mundo, é inevitável que surja inquietação, medo e ansiedade. Especialmente naqueles que estão confinados em casa, o isolamento e a dificuldade em partilhar o medo através do contacto com outros agrava a situação.
Como lidar com isto? Embora não exista nenhum truque mágico, algumas coisas podem ajudar:
Primeiro, reconhecer que a ansiedade é uma resposta a uma ameaça percebida e, portanto, é normal que nestes tempos tenhamos ansiedade em algumas situações. O importante é não ter medo de ter ansiedade (isto é, das sensações que aparecem quando estamos ansiosos). O medo dessas sensações é um factor importante para a manutenção da ansiedade.
Segundo, perceber que o que devemos evitar é a ansiedade ou stress crónico, que frequentemente está ligado à ruminação (pensar repetidamente sobre algo negativo que nos preocupa e ficarmos perdidos nas histórias que a mente faz acerca disso), e à tentativa de não sentir ansiedade. O stress e ansiedade que surgem pontualmente em resposta a uma situação de ameaça não é mau em si mesmo, se os aceitarmos e tirarmos partido deles em vez de os combater. Há estudos que mostram que quando nos preparamos mentalmente para aceitar alguma ansiedade ou stress, isso pode ter consequências positivas.
Então o que fazer?
Para além dos conselhos que têm sido amplamente divulgados, e que são muito úteis, como, entre outras coisas: manter uma rotina diária, não passar o dia a ver as notícias na televisão e escolher ver apenas um ou dois noticiários por dia, manter o contacto com os amigos através do telefone ou redes sociais, ajudar amigos ou conhecidos que sabemos estarem mais isolados, contactando-os e dando-lhe força e apoio. A forma como lidamos com a nossa ansiedade é um factor muito importante, ou para que ela tome conta da nossa vida (stress crónico), ou para a transformarmos em segurança e força para lidarmos com a ameaça. Uma prática que poderá ajudar a que isto aconteça é a prática dos 3NM
- Notarmos quando estamos com medo ou ansiedade e mentalmente repetir algumas vezes (está aqui medo, medo, medo …ou ansiedade).
- Notarmos as sensações no corpo que acompanham a ansiedade (coração a bater mais, aperto no peito, ombros contraídos, sensação de inquietação, respiração mais difícil, etc.) e observá-las como se estivéssemos num cinema, a ver isso acontecer e sem lhes reagir, sem as tentar diminuir e controlar. Só observar e deixar acontecer (as sensações da ansiedade não são perigosas). Podemos dizer mentalmente “Posso sentir isto, não é perigoso”.
- Notar como a mente repetidamente nos quer levar para a história que nos assusta (nós ou familiares vão ser contaminados, a situação financeira vai ficar difícil, podemos morrer, etc.) e ver que são histórias que a mente faz e não a realidade, mas Manter a atenção no corpo e nas sensações permitindo que estas estejam.
- Manter esta observação e ser curioso em relação a essas sensações (onde sinto a tensão, como é este aperto no peito, etc.) ficando a observá-las sem lhes reagir e ver o que acontece
Quando aceitamos, isto é, permitimos, que a ansiedade e as suas sensações estejam presentes sem lutarmos contra elas, a sua força diminui e acabamos por ter uma sensação de força e tranquilidade. Mas atenção, não estejam sempre a ver se a ansiedade está a diminuir. Isso não é aceitar, nem permitir. Se fizerem isso a ansiedade não diminui. É um pouco paradoxal: a ansiedade só diminui quando vocês não tentarem que ela desapareça.
Tentem esta prática. Pode parecer difícil inicialmente, mas vão ver que são capazes.